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quarta-feira, junho 22, 2005

John Rawls by Elza Gonçalves

As quase 500 páginas do livro «Uma teoria da Justiça» de John Rawls tratam de fundamentar os princípios da sua «teoria da justiça como equidade».

O termo original em inglês é «justice as fairness». «Fairness» pode ser traduzido por equidade como é o caso da opção feita na versão portuguesa. Podemos pensar também em imparcialidade, objectividade, ausência de preconceitos.

Para o que importa aqui, o termo «fairness» vai mais no sentido de «livre de favoritismo» do que de igualdade «tout court».

O que Rawls afirma nesta teoria é que as pessoas colocadas numa situação original escolheriam dois princípios de justiça:

O primeiro é o que postula igualdade de direitos e deveres. Na formulacao de Rawls: «cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja compatível com um sistema de liberdades idêntico para as outras».

O segundo princípio diz que as desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas por forma a que sejam em beneficio de todos e devem decorrer de posições e funções as quais todas tem acesso.

Mas enumerados os dois princípios são agora necessárias certas precisões.

Por exemplo, o que é a situação original?


Os dois princípios referidos são os princípios que seriam aceites por pessoas livres e racionais colocadas numa situação inicial de igualdade e interessadas em prosseguir os seus próprios objectivos.

Estamos a falar de sujeitos morais com finalidades próprias e capazes de um sentido de justiça.


Há um condição para que isto seja possível: nesta situação hipotética, os princípios de justiça são escolhidos a partir de um véu de ignorância. Assim se garante que ninguém é beneficiado ou prejudicado na escolha daqueles princípios pelos resultados do acaso natural ou pela contingência das circunstâncias sociais.

A necessidade deste véu de ignorância é óbvia. Se as pessoas conhecessem a sua situação particular escolheriam princípios que beneficiariam essa situação.

Qual é a vantagem desta concepção de justiça? É que a sociedade se aproxima de um sistema voluntário em que cada um aceita os termos da organização social: as obrigações dos indivíduos não são impostas de fora mas auto-impostas.


O objectivo de Rawls é apresentar uma concepção de justiça que generaliza e eleva a um nível superior a teoria do contrato social de Locke, Rousseau (século XVII) e Kant (século XVIII).

Para compreender Rawls é fundamental perceber em que visão de sociedade assenta a sua teoria.

Ora para Rawls, embora uma sociedade seja uma tentativa de cooperação que visa obter vantagens mútuas, ela caracteriza-se simultaneamente, por um conflito e por uma identidade de interesses.

Há identidade de interesses porque a cooperação torna possível uma vida melhor do que aquela que cada um teria se tivesse de viver apenas pelos seus próprios esforços.

Afirma Rawls:
«Já que o bem-estar de todos depende de um sistema de cooperação sem o qual ninguém poderia ter uma vida satisfatória, a divisão dos benefícios deve ser feita, de modo a provocar a cooperação voluntária de todos os que nele tomam parte, incluindo os mais desfavorecidos.


Os críticos de Rawls costumam dizer que a sua teoria da justiça é uma abstracção. O que é uma crítica curiosa. Por duas razões. Em primeiro lugar, porque o próprio Rawls nunca disse o contrário.

É ele próprio que escreve que a igualdade original, a tal que pressupõe o véu de ignorância, deve ser vista como uma situação puramente hipotética que é caracterizada de forma a conduzir a uma certa concepção da justiça.

Em segundo lugar as ideias abstratas não são o contrário da prática. As ideias fundamentam as práticas e as práticas exprimem ideias, ou seja estão ambas intimamente ligadas.

De qualquer modo, a única teoria da justiça que poderia ser prática e não abstracta que se conhece é a que está subjacente à lei da selva.

Outro aspecto: Rawls é acusado de negar o princípio meritocrático. Mas Rawls não nega que as pessoas possam obter benefícios maiores em virtude das suas capacidades.

Rawls também não nega tout court a propriedade privada nem os bens herdados. A sua teoria da justiça como equidade pretende apenas garantir as bases de um acordo na base do qual os mais bem dotados ou os que tiveram mais sorte na sua posição social podem esperar obter a colaboração voluntária dos outros tendo em conta o bem-estar de todos.

Voltamos a questão fundamental: trata-se de saber como distribuir os benefícios decorrentes da cooperação.
Ninguém obtém tudo sozinho, então como determinar a parte que a cada um cabe?

Alias no prefácio à edicao portuguesa escrito em 1990, o autor deixa em aberto a questão de saber se os princípios da justiça serão melhor realizados por uma democracia de proprietários ou por um regime socialista liberal. É uma questão que cada país deve resolver.

John Rawls nasceu nos Estados Unidos em 1921 e morreu em 2002.

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